‘Uso de tecnologia e dados tem de ser a preocupação dos lojistas’

Data | 31/01/2022

Fonte: Diário Do Comércio 

A preocupação dos empresários em identificar se a jornada de compra do consumidor teve início no meio físico ou no digital não faz mais sentido.

O que deve tomar a atenção dos lojistas no momento é a captação e a manutenção da clientela, o que inclui uso de tecnologia e dados.

Essa nova forma de tocar o negócio exige uma mudança cultural nas organizações, já que o processo de compra do consumidor fica cada vez mais difícil de rastrear.

A análise é de Alberto Serrentino, consultor com mais de 30 anos de experiência em varejo, que acaba de voltar do maior evento do setor, a NRF (National Retail Federation).

Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

2022

No Brasil, vai ser um ano bem desafiador. Vejo como um grande desafio o cenário de instabilidade e incertezas trazidos pela pandemia.

E trazidos também pela inflação, pela crise de abastecimento global, escalada de custos logísticos, falta de mão de obra qualificada e ligada ao mundo digital.

Tudo isso desafia muitos empresários a terem de se adaptar rapidamente, colocando uma pressão adicional sobre as empresas.

Temos um calendário eleitoral que vai ser determinante para o comportamento da economia, da confiança, do consumo, do crédito e da inflação bastante elevada.

Isso deve demandar um esforço grande e, aqui no Brasil, existe a inércia, a indexação, que tornam ainda mais difícil estancar a inflação.

Nós temos possíveis cenários políticos afetando muito a expectativa e o humor, mas também temos coisas positivas porque o desemprego começou a ceder.

Se a Ômicron passar rápido e a pandemia for realmente superada naquilo que tem de mais cruel, o setor de serviços deve voltar forte para gerar emprego, principalmente informal.

Isso deve reativar a demanda e o consumo.

Mas isso não vai deixar de desafiar as empresas, principalmente no processo de aceleração digital e também de melhora na governança e nas agendas ligadas à inclusão, diversidade e responsabilidade socioambiental.

Os líderes têm o papel determinante em tudo isso, de ter o equilíbrio nas várias agendas. Não vai ser fácil, vai ser algo que, efetivamente, vai gerar muita oportunidade e muito desafio.

FÍSICO E DIGITAL

Está cada vez mais difícil identificar as fronteiras entre o ambiente físico e o digital. 

Os negócios precisam se desgarrar de uma obsessão por canais e operações e focar em negócios obcecados por clientes e dados.

Isso é uma mudança cultural grande organizacional, de uma nova forma de usar tecnologia, de trabalhar inovação. Fica muito claro que, hoje, as fronteiras são muito tênues.

As jornadas são difíceis de serem rastreadas e a atribuição de canal de venda é uma coisa superada.

É preciso olhar mais para os clientes e se preocupar mais em atrair, manter, escalar e ativar a base de clientes.

OFF-LINE

É possível uma loja física não estar no mundo digital, mas não é razoável porque ela perde uma conexão importante com o cliente. Alguém pode fazer melhor para o cliente.

Óbvio que os segmentos são muito diferentes, mas, hoje, estar no mundo digital pode significar muitas coisas.

Uma pequena loja que vende por WhatsApp está no mundo digital. Alguém que sobe uma loja em um marketplace está no mundo digital.

Há muitas formas de estar no ambiente digital e de integrar isso com a loja e ter o cliente como único.

A loja física tem um novo papel. Ela é mais estratégica, um ponto de captura, manutenção e ativação de clientes. É um hub logístico, de serviços, de experiência.

Ela precisa ser medida com outros indicadores e tratada de maneira muito mais abrangente do que normalmente ela sempre foi.

METAVERSO

É uma onda, há muita discussão sobre o tema. 

É um negócio que, certamente, vai crescer, vai ter impacto grande no mundo das mídias, dos games, do entretenimento, do conteúdo, da educação e poderá ter, sim, no varejo.

É difícil, hoje, de ser quantificado e dimensionado, principalmente para as marcas.

Quem tem marcas vai ter de entender como estar neste ambiente para se conectar com as novas gerações, para encontrar novas formas de engajamento e ativação de clientes.

Para ter, eventualmente, até oportunidade de geração de receita incremental.

Haverá muito investimento e, grandes empresas, como Microsoft, Facebook, vão forçar a migração de redes sociais para o Metaverso.

LIVRARIAS

No Brasil tem livrarias regionais sobrevivendo e crescendo no espaço deixado por Saraiva e Cultura, e se espalhando para novos mercados.

Elas funcionam bem quando trabalham curadoria, serviço, especialização, nicho e comunidade. 

É um espaço onde se gosta de estar. Existe uma relação muito séria com as editoras, com políticas de preços, descontos.

Elas deveriam tratar o livro como um produto mais protegido para que o cliente não tivesse que discriminar por preço e, sim, por experiência e serviço, como ocorre na Europa.

A própria Amazon está abrindo várias livrarias com um modelo bastante provocador porque trabalha muito em cima de dados e do que eles extraem de inteligência no mundo digital.

NRF

A NRF precisa ser decantada. Muitos CEOs falaram da capacidade do varejo de passar pela covid-19, de se adaptar e de acelerar a transformação digital.

É preciso endereçar com mais força a agenda de ESG (governança ambiental, social e corporativa), de inclusão, de diversidade, que ganharam mais relevância durante a pandemia.

É preciso ter um modelo de liderança mais aberto, que desafia a cultura, que empurra a empresa para olhar o cliente de verdade no centro dos processos.

E desafia mudar o uso da tecnologia e a forma de funcionar do negócio para estar mais próximos dos clientes.

Ter empresas mais ágeis, abertas, colaborativas à inovação.

Tudo isso foi bastante ilustrado, com depoimentos, muitos exemplos, que vão consolidando  tendências importantes.